De caos e enchentes

(Foto: CMC)

Quando começaram os primeiros trovões, ontem à noite, eu já estava sã e salva em casa. A chuva caiu de repente, por volta das 22h, e só me bastou fechar as duas janelas que estão sempre abertas (a terceira eu só deixo fechada), e continuar digitando aqui nesta mesma cadeira. Mesmo assim, foi possível perceber que se tratava de uma chuva mais forte que o normal. Escrevi ao meu pai, às 22h05: “Agora tá caindo o mundo com chuva, nunca vi chover tanto assim! Amanhã vai ter só noticiário de caos.”

Naquela hora, ao prever o caos, a primeira coisa que me veio à cabeça foram as histórias que ouvi, há um ano, no Jardim Pantanal (teve um dia que uma moradora de lá me ligou às 3h da madrugada para dizer, apavorada, que a água estava subindo de novo). Depois, lembrei de histórias que ouvi no município vizinho de Itaquaquecetuba. É claro que não me esqueci tampouco das histórias dos moradores e comerciantes da Pompéia, que também sofrem há anos. Histórias não faltam, cada chuva é uma coleção.

Não é que a chuva foi tanta que pegou de surpresa os governantes. Não dá para dizer que, numa cidade do Sudeste deste país tropical seja surpresa para alguém que chuvas torrenciais caiam no veranico. Aliás, com a tecnologia, deveria se saber precisar até o minuto em que o aguaceiro vai cair.

Faltam investimentos reais em infraestrutura urbana, desde as miudezas (limpeza de bueiros, varrição de ruas, campanhas educativas, limpeza e reforma de córregos canalizados etc) até medidas mais amplas (construção de parques lineares, piscinões, minipiscinões, mapeamento extenso e completo da rede hídrica subterrânea, investimento pesado em previsão meteorológica e, claro, investimento ainda mais pesado em moradias adequadas para as pessoas, longe de áreas de risco).

São políticas públicas necessárias pra São Paulo (e, de resto, em várias outras cidades do país) há décadas, então não há como colocar a culpa exclusivamente nos atuais governantes. Mas também eles estão sendo omissos, obviamente, já que fazem parte de um grupo que continua no poder há um tempo bastante razoável para que algo já tivesse sido feito de forma definitiva.

Enquanto isso, resta-nos ao menos um pouco de inspiração:

Pântano

Rose tinha um sofá

Comprado em várias prestações

Tantas quanto as da casa

Ainda não sua, da Caixa.

Tantas quanto dos armários,

Hoje, madeira podre.

Tudo ruiu com a enchente.

Foram os documentos dela

E os retratos da filha criança

E os diplomas e certificados

E os trocados na lata de biscoito

E os sonhos.

E os sonhos,

escoados numa água só.

Com a lama,

Com as cobras,

Com os sapos (e os lagartos)

Rose mora dentro do rio.

(23/01/2010)

Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

7 comentários

  1. Eu pensei a mesma coisa, meu irmão pensão a mesma coisa, acho que todo mundo aqui em SP e grande SP pensaram a mesma coisa “Amanhã vai ter só noticiário de caos.” e foi dito e feito, ou melhor pensado né…
    Já não sei mais o que esperar do nosso governo, parece que eles não fazem nada!
    Foi gasto mais de 2 bilhões para desassorear o rio Tietê e não é que ele voltou a alagar???
    O pior é que o que aconteceu ano passado no Jardim Pantanal parece que foi proposital, dá uma olhada:
    “O rio Tietê é permeado por uma série de usinas elétricas e barragens, que controlam seu fluxo. A abertura ou fechamento de uma barragem influencia o nível do rio em diversas outras regiões. Em entrevista ao portal UOL, o engenheiro João Sérgio, responsável pela barragem da Penha, afirmou que a EMAE (Empresa Metropolitana de Águas e Energia) determinou, no dia 8 de dezembro, o fechamento de uma das barragens do rio, com o objetivo de evitar alagamentos na marginal Tietê, o que complicaria o trânsito na cidade. No entanto, essa opção acarretaria no alagamento consciente de bairros como o Romano e o Pantanal.” – Caros Amigos – http://carosamigos.terra.com.br/index_site.php?pag=dointernauta&id=100
    E esse vale aluguel é uma piada né???
    São Paulo desanima…

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  2. Não caiu no “Echente não é problema natural, é social” ??? Se sim, essa parte está bem no final, eu e umas amigas usamos isso num trabalho da faculdade ano passado, é um absurdo mesmo…

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  3. Cris, todos os anos, neste mesmo período, acontece a mesma coisa em SP: chuvas. Governante dizer que foi pego de surpresa “por conta do volume e intensidade das chuvas” é algo até surreal. E mais: há quase 20 anos é o mesmo grupo político que governa o estado. Para quem está de fora da capital paulistana mas é de lá ( como eu), a sensação que passa é que nenhuma medida ou quase nenhuma foi tomada para ao menos minimizar os prejuízos com as chuvas de verão.

    Que, obviamente, não é um problema recente, mas que se arrasta há anos e passando por diversos governos. No entanto já passou da hora da cidade ter ao menos um plano além dos “piscinões”.

    Abs! E é bom tê-la de volta! 🙂

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